VALOR DE MERCADO
"Qual é o
teu valor de mercado, mãe? Desculpa escrever-te esta pequena carta, mas estou
tão confusa e pensei que escrevendo me explicava melhor”.
Vi ontem na televisão um senhor de cabelos brancos, julgo que se chama Catroga, a explicar que vai ter um ordenado de 639 mil euros por ano na EDP, aquela empresa que dava muito dinheiro ao Estado e que o governo ofereceu aos chineses.
Pus-me a fazer contas e percebi que o senhor vai ganhar 1.750 euros por dia. E depois ouvi o que
ele disse na Televisão.
“Vou ganhar muito dinheiro porque tenho o meu valor de
mercado, tal como acontece com o Cristiano Ronaldo”
Foi então que fiquei a pensar:
“Qual é o teu
valor de mercado, mãe?”
Tu acordas todos os dias por volta das seis e meia da manhã, antes de
saíres de casa ainda preparas os nossos almoços, passas a ferro, arrumas a
casa, depois sais para o trabalho e demoras uma hora em transportes, entras e
sais do comboio, entras e sais do autocarro, por fim lá chegas e trabalhas 8
horas, com mais meia hora agora, já é noite quando regressas a casa para fazeres
o jantar, arrumar a casa e ainda fazes mil e uma coisas até te deitares quando
eu já estou há muito tempo a dormir.
O teu ordenado mensal, contaste-me tu, é pouco mais de metade do que aquele
senhor de cabelos brancos ganha num só dia.
“Afinal mãe,
qual é o teu valor de mercado?”
E qual é o valor de mercado do avozinho?
Segundo sei começou a trabalhar aos treze anos, trabalhou cerca de quarenta
e três e tem uma reforma pouco acima que o dito senhor ganha por dia, óptima,
diz ele, se comparada com a da maioria dos portugueses.
“Qual é o valor
de mercado do avô, mãe?”
E qual é o valor de mercado desses portugueses todos que ainda recebem muito
menos que o avô?
Qual é o valor de mercado da vizinha do andar de cima que trabalha numa
empresa de limpezas?
Ontem à tardinha ela estava a conversar com a vizinha do terceiro esquerdo
e dizia que tem dias de trabalhar catorze horas, que não almoça por falta de
tempo, que costumava comer um iogurte no autocarro mas que desde que o
motorista lhe disse que era proibido comer nos transportes públicos se habituou
a deixar de almoçar.
Hábitos!
“Qual é o valor
de mercado da vizinha, mãe?”
E a minha prima Ana que depois de ter feito o mestrado trabalha naquilo dos
telefones, o "call center",
enquanto vai preparando o doutoramento? Ela deve ter um enorme valor de
mercado!
E o senhor Luís da mercearia que abre a loja muito cedo e está lá o dia
todo até ser bem de noite, trabalha aos fins de semana e diz ele que paga mais
impostos que os bancos?
Que enorme valor de mercado deve ter!
Que enorme valor de mercado deve ter!
O primo Zé que está desempregado, depois da empresa onde trabalhava há
muitos anos ter encerrado, deve ter um valor de mercado enorme!
Só não percebo como é que com tanto valor de mercado vocês todos trabalham
tanto e recebem tão pouco! Também não entendo lá muito bem - mas é normal, sou
criança - o que é isso do valor de mercado que dá milhões ao senhor de cabelos
brancos e dá miséria, muito trabalho e sofrimento a quase todas as pessoas que
eu conheço!
Foi por isso que te escrevi, mãe.
Assim, a pôr as letrinhas num papel, pensava eu que me entendia melhor, mas
até agora ainda estou cheia de dúvidas.
“Afinal, mãe,
qual o teu valor de mercado?”
“E o meu?"
Beijinhos, da,
(Neta de um ALD, em Odivelas, a 23
de Agosto de 2012)
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